Afrodescendentes da Lapa - Comunidades Quilombolas do Paraná

 Fonte: Site "Afrodescendentes da Lapa - Comunidades Quilombolas do Paraná" 
trabalho de documentação de Fernanda Castro para o grupo de trabalho Clóvis Moura,
que faz o mapeamento das comunidades negras do estado.

 

Este projeto cultural visa contribuir para o levantamento da história dos afrodescendentes do Paraná.

A fotografia é um registro e também uma manifestação da arte da imagem. Esses elementos são indissociáveis. Partindo dessa ótica os produtos do projeto - documentação fotográfica, exposições, catálogos bilíngues Português / Inglês, mídia eletrônica, site e oficinas de fotografia pretendem fazer uma reflexão sobre a história das comunidades do Feixo e da Restinga no município da Lapa/PR.

A fotografia é um veículo que se adapta a essa intenção, pois consegue fixar o momento e simultaneamente manter um discurso que vai além da mera imagem exposta.
 

 
Comunidades do Feixo e da Restinga: Herança dos Afrodescendentes da Lapa

A cidade da Lapa, antigamente chamado Vila Nova do Príncipe, uma das mais antigas cidades do Paraná (1872), ainda não mereceu um tratamento do Estado à altura, que a coloca merecidamente como referência nacional. Tem uma importância especial na constituição da historia paranaense, como um pólo de formação da história do Paraná e da Região Sul. Trata-se de uma região tradicional, com uma historia que tem inicio em 1541, com a passagem de D. Alvar Nunez Cabeza de Vaca pelo território.

A cidade ficou famosa por fazer parte do Caminho dos Tropeiros (ponto de referência e abastecimento de toda a região sul brasileira), por ter sido palco de um dos episódios mais trágicos da Revolução Federalista (1893/94) – Cerco da Lapa – e também pela riqueza de suas expressões culturais: mitos religião, (Gruta do Monge), cozinha regional, folclore (Congada da Lapa), além da singularidade de sua arquitetura expressa pela qualidade de algumas exemplares construções, como o Teatro S. João, a casa do Coronel Joaquim Lacerda, a Casa de Câmera e cadeia, dentre outros.

Existem no município da Lapa duas comunidades de descendentes africanos que remontam ao século XIX: a da Restinga e a do Feixo. Elas foram criadas por escravos libertos, antes da promulgação da lei Áurea, de 13 de maio de 1888. Estes ganharam as terras de seus donos, ali passaram a viver, constituir famílias e transformaram esse território num pedaço de sua terra natal, inclusive exercendo costumes d'alem mar.

A cultura transmitida de geração em geração venceu os tempos e, mais de um século depois, mantém-se viva, embora tenha sofrido modificações e influências de comportamento através dos anos.

A raiz, contudo, mantém-se perene, com suas manifestações ainda muito vivas, como a Congada, cuja representação através da dança e canto, conta uma histórica tendo como personagens centrais representantes dos reinos do Congo e de Angola.

Entrevista - D. Ana Martins Santana. 

“Só sairemos daqui para o cemitério. Não vamos sair daqui. Quiseram tirar a gente à força, mas não conseguiram porque minha mãe tinha os documentos”. Este é o depoimento de uma das mais antigas moradoras, da comunidade da Restinga, dona Ana Martins Santana, 77 anos, que nasceu ali mesmo, em 1928, e é descendente direta dos escravos libertos da Lapa.

Dona Ana mora junto com seu marido, Manoel Diogo Santana, descendente de índios, numa área de um alqueire, herdada de sua mãe, dona Setembrina Caetano de Lima. Sua mãe ganhou a área de seu tio e padrinho, Benedito Gonçalves, irmão de sua avó Vitória Anastácia da Luz.

Ela não chegou a conhecer seu tio avô Benedito, mas contou que sua mãe recebeu as terras porque ele prometeu, se ela ajudasse a criar seus filhos, que iria ganhar um presente quando casasse. Esse presente foi a doação da terra localizada no antigo caminho para onde hoje é a Colônia Mariental, uma “estradinha de carroça”, isso no começo do século XX.

Houve muita cobiça por essas terras na época e o pai de dona Ana, Antônio Martins da Luz, só conseguiu legalizar cinco alqueires, que foram divididos depois entre os irmãos. Alguns parentes ainda moram na vizinhança, mas outros foram para outros lugares.

“Se a vida hoje é difícil, imagine naquele tempo”, diz dona Ana, que ainda usa, com carinho, uma velha máquina de costura movida a pedal, que comprou quando ainda era solteira. Durante muito tempo, lavava roupa para ganhar algum dinheiro extra e está aposentada pelo INSS. Em sua terra, planta milho, feijão e tem uma pequena horta, além de cuidar das criações.

O pouco que dona Ana sabe do período da escravidão são as histórias contadas por sua mãe dos tempos de sua bisavó, que era escrava. Sua avó Vitória era muito religiosa e devota de Santo Antônio e mandou erguer uma capela em suas terras, feita com “muita paciência por meu pai”, que recolhia “tabuinhas de pinheiro” para sua construção. A capelinha existe até hoje.

Entrevista - Anair Ferreira Santos 

“Sou descendente de escravos. Meus antepassados eram todos negros” – diz dona Anair Ferreira Santos, de 62 anos, que também nasceu na Restinga, no lugar chamado de Rio das Porteiras. Viúva, 10 filhos (um deles falecido), a família ainda tem uma pequena faixa de terra, legalizada há 10 anos, depois da morte de seu sogro, cujos descendentes são proprietários de pequenas propriedades vizinhas.

Segundo dona Anair, na época da abolição da escravatura, essas terras foram “dadas” para que os negros morassem porque eram consideradas ruins e não produziam nada. Com o passar dos anos, as famílias que moravam nessas terras, foram forçadas a abandoná-las porque não tinham documentos provando sua propriedade, o que antes não era necessário, e aproveitadores acabaram se instalando na região.

Os problemas hoje no local ainda são inúmeros, mas o principal deles é a rede de abastecimento de água, que ainda não foi instalada. Por muito tempo, para sobreviver, dona Anair trabalhou na roça e hoje faz trabalhos de artesanato de palha de milho para conseguir rendimentos extras.

 
Comunidades do Sutil e de Santa Cruz: Herança Quilombola da Região dos Campos Gerais do Paraná

A existência de comunidades quilombolas em pleno século XXI é uma prova de resistência da raça negra cujas raízes, ainda presentes, tendem a se perder com o avanço implacável do progresso. Depois de registrar cenas do cotidiano do Feixe e da Restinga, na região da Lapa, ocupei-me com outras duas localidades, a do Sutil e Santa Cruz, próximas a cidade de Palmeira, na região dos Campos Gerais.

Alteram-se os nomes, unicamente. No mais, elas são semelhantes em seus destinos de representarem um alento aos negros, descendentes de escravos, que tiveram em suas terras um meio de vida e subsistência – e delas foram usurpados pelos governantes e autoridades de plantão. São famílias praticamente confinadas, com o poder oficial e econômico rondando as áreas que ainda lhes pertencem.

A proposta desse trabalho, a exemplo do anterior, mantém o mesmo objetivo: usar da imagem, especialmente, e de textos sucintos, para narrar essa historia. As informações colhidas procuram dar uma unidade ao contexto do Sutil e de Santa Cruz, embora não tenha aqui o necessário rigor científico que norteia trabalhos afins dos pesquisadores. No entanto, foi de extrema valia para a narrativa a tese da antropóloga Miriam Hartung, cuja vivência e investigação ocorrida há uma década sinaliza de forma solitária a tentativa de desvendar a historia que continua a ser ignorada por nossos historiadores, que fazem do negro paranaense um triste capítulo de silêncio e desconhecimento.

 
Pesquisa

Sutil e Santa Cruz

Quando a abolição da escravatura oficializou-se no Brasil, em 1888, no Paraná uma particular história envolvendo a negritude vinha sendo escrita desde 1854, na Fazenda Santa Cruz, no distrito da Freguesia de Palmeira. Ali, em terras que somavam 6.530 hectares de extensão – número equivalente à metade da fazenda –, há 34 anos residiam escravos e libertos, os legítimos donos do lugar.Eles tornaram-se proprietários em dezembro de 1854, quando faleceu Maria Clara do Nascimento, rica fazendeira. Solteira, sem filhos, a mulher deixou como legado para seus escravos e libertos a vastidão dos terrenos, bem como àqueles que serviram a seu falecido irmão, o capitão Joaquim Gonçalves Guimarães.

Passados mais de 150 anos desde esses tempos, o que ainda existe como resquícios de uma história poucas vezes narrada são as comunidades do Sutil e de Santa Cruz. Localizadas entre os municípios de Palmeira e Ponta Grossa, distam uma da outra por menos de cinco quilômetros. Seus habitantes, trazendo no sangue e na pele a identificação da raça, como elos de uma corrente que os liga aos antepassados, que ali viviam desde os primórdios dos mil e oitocentos, visitam-se, estreitam laços, casam-se entre si. Sutil e Santa Cruz desafiam as variantes de uma história comum.

São indefinidas as origens da Fazenda Santa Cruz, havendo mesmo possibilidades de ter sido anteriormente uma sesmaria ou uma posse. Esses tipos de aquisições eram comuns nos idos dos 1700, e acredita-se que os Gonçalves Guimarães ali estivessem desde 1787. Pouco mais de meio século depois, Maria Clara do Nascimento iria firmar seu testamento, doando metade das terras da fazenda para os negros. Ela deixou ordens explícitas, particularmente na cláusula principal, dando conta de que os bens herdados seriam inalienáveis.

Assim, todos os beneficiados, escravos ou não, estavam impedidos de vender “ou alienar suas partes”. Percebe-se aqui, claramente, a preocupação da senhora quanto à preservação dessas famílias num país ainda escravocrata. Firmada essa exigência nos autos oficiais, criava ela mecanismos que asseguravam condições mínimas para a própria continuidade do grupo, afetando diretamente gerações de herdeiros que viriam no futuro.

A perpetuação como queria Maria Clara resultou numa quimera. Bastariam pouco mais de seis décadas para que aqueles campos do distrito da Freguesia da Palmeira, que em tempos findos tinham sido destinados à criação e invernagem de bovinos e muares, fossem sumariamente retirados de seus legítimos donos. Sem escritura ou qualquer tipo de documento comprobatório, os agricultores que ali viviam, sentiam-se literalmente com as mãos atadas para contestar.

Para compor essa nova realidade muito contribuiu o governo federal – do mesmo modo o governo estadual –  com políticas de incentivo ao povoamento dos sertões do Paraná, oferecendo terras a grandes companhias e a imigrantes que deixavam a Europa em busca de um novo Eldorado.Nessa orquestração de interesses parte do Sutil e Santa Cruz esvaneceu, enquanto no entorno desenhavam-se novos quadros. Porém, uma coisa é certa: a integridade de sua gente manteve-se intacta.

O orgulho de pertencer a um núcleo cujas raízes estão fincadas num passado singular, desde sempre se manteve como um traço de identidade e resistência, protegendo de certo modo sua cultura e sua memória.

 

Capa do Livro "Comunidades do Sutil e de Santa Cruz"
Cartaz da Exposição Fotográfica das "Comunidades do Sutil e de Santa Cruz"
Convite eletrônico para a exposição fotográfica das "Comunidades do Sutil e de Santa Cruz"
 
Oficina de Fotografias - Comunidade do Sutil

 Partindo do princípio de que a câmera fotográfica, como ferramenta criativa, possibilita a reflexão do cotidiano, bem como o resgate da memória local e sua visibilidade social, usou-se desse instrumento para trabalhar com jovens de Sutil e Santa Cruz.

Tendo em mãos uma câmera, um grupo de adolescentes das comunidades tiveram contato não somente com a máquina fotográfica, como também noções básicas da fotografia, e foram incentivados a trazer para as aulas aquilo que mais lhes atraía, sem fugir do seu cotidiano. Essa era a proposta: à medida que transformam em imagem a sua realidade, acabam por criar um contraponto com a reflexão. Aquilo que poderia passar desapercebido ganha um novo olhar à medida que na imagem congelada despertam-se para detalhes que não haviam notado anteriormente.

A oficina, portanto, serve ao objetivo não somente de refletir sobre o cotidiano, bem como propiciar um resgate da memória local e sua visibilidade social. Essas múltiplas interações, conhecida também como metodologia triangular¹ na área de Artes Visuais, vem trazer uma dinâmica sócio-cultural de participação, despertando interesses, estimulando a diversidade de idéias e de ações.

A professora Ana Mae Barbosa adaptou a teoria DBAE ao contexto brasileiro, denominando-a Proposta Triangular por envolver três vertentes: o fazer artístico, a leitura da imagem (obra de arte) e a história da arte. Diz Ana Mae: "Num país onde os políticos ganham eleições através da televisão, a alfabetização pela leitura da imagem é fundamental, e a leitura da imagem artística, humanizadora".

Oficina de Fotografias - Comunidade do Sutil
Oficina de Fotografias - Comunidade do Sutil
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Oficina de Fotografias - Comunidade do Sutil
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GALERIA DE IMAGENS

  • Foto da Comunidade de Feixo e Restinga
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    Alunos do curso de fotografia
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    Alunos do curso de fotografia
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